Sol Team na Expedição Tierra Viva 2011

No final de fevereiro deste ano os meus amigos Peda e Felipe participaram da Expedição Tierra Viva, uma corrida de aventura pra lá de dura, na Patagônia Argentina. Quando decidiram ir nesta competição eu tive a honra de ser um dos convidados para participar da equipe. Infelizmente não pude ir mas acompanhei de perto a preparação deles.

A equipe Sol Team ficou assim formada:

  • Clara Hillmann – 24 anos, atleta experiente (maior prova foi o Brasil Wild 500km no Jalapão);
  • Felipe Hass Krahn – 27 anos, atleta experiente, participou de diversas provas de até 24h;
  • Hans Peder Behing – 35 anos, atleta experiente (maiores provas foram os Ecomotion 2006 e 2007);
  • Léo Nardi Borba – 27 anos, participou de diversas provas de até 24h;

Depois da corrida pedi ao Peda que fizesse um relato da prova para eu colocar aqui no blog. Segue abaixo:

Chegamos em Vila La Angostura para a competição (que iniciaria na 2a feira ao meio dia) com um ou dois dias de antecedência para comprar equipamentos e comida, e também fazer um pouco de reconhecimento do terreno. Mesmo assim, acabamos nos atrasando um pouco com os preparativos e chegamos para a largada literalmente “em cima do laço”, com a contagem regressiva já iniciada.

Entramos com os caiaques na água na 2a feira ao meio-dia e não demoramos a estabelecer uma boa velocidade. Acompanhamos bem as outras equipes, finalizando os PCs Virtuais do primeiro trecho de 35km de remo em menos de 5 horas até o PC1, e os PCs Virtuais do segundo trecho de 25km de remo em mais 4 horas até o PC2.


Aproximadamente às 21h de 2a feira e já anoitecendo, largamos os caiaques e entramos no primeiro trekking de 70 a 90km, com previsão de 20 a 24h. Logo no início da trilha encontramos muitas outras equipes, das quais nos aproximávamos e afastávamos dependendo das opções de velocidade e caminho. Início da 3a feira, aproximadamente 12h de prova, do meio do vale avistávamos as luzes dos head-lamps das equipes líderes, que escalavam o topo das montanhas rochosas. Nessa hora tivemos muitas dúvidas na navegação, pois o estilo de plotagem de carta difere muito do estilo dos organizadores de provas brasileiras (aqui temos diferentes grafismos para estrada, caminho e trilha, e no Tierra Viva apenas o track-log do GPS como sugestão de caminho – pena que não sabíamos disso naquele momento em que começava a nossa angústia).

Subimos e descemos duas vezes uma trilha que parecia ser a certa, mas de repente, como que do nada, ela desaparecia no meio de um rasga-mato quase intransponível (ao menos era o que pensávamos às 3h da madrugada). Resolvemos economizar esforços, dormir, e às 6h da manhã de 3a feira, após amanhecer, procurar um ponto do terreno que nos fornecesse confiança para continuar navegando. Voltamos um bocado na trilha, assim demoramos muito para descobrir que não estávamos tão errados assim durante a madrugada e o triste resultado: perdemos exatamente 12h de progressão. De volta ao caminho certo, subimos a trilha, varamos o mato e enfim passamos à escalada das rochas e pedras e chegamos no primeiro PC Virtual no meio da tarde de 3a feira (uma das últimas equipes). Sem desanimar, resolvemos aproveitar a luz do dia acelerando o passo ao descer do primeiro PC Virtual por um vale até chegar num canyoning. Não demoramos para entrar no rio, e seguimos progredindo mais ou menos até umas 2h da madrugada de 4a feira.


Resolvemos parar para dormir em virtude da lenta progressão e frio. Bom, até aí nossa previsão de 24h de trekking já havia estourado, e com ela boa parte de nossos mantimentos. Acordamos às 6h da manhã de 4a feira e conseguimos finalizar a descida por dentro do rio perto das 9h. Dali para frente, apesar de estarmos praticamente sem comida, tivemos uma progressão muito boa e rápida. Sem erros de navegação, logo encontramos o segundo PC Virtual e continuamos durante uns 30km num passo rápido na busca do terceiro e último PC Virtual por lindas trilhas em vales recortados no meio de uma região montanhosa e inóspita, realmente longe de qualquer indício de civilização.

No meio da tarde de 4a feira, aproximadamente 16h, chegamos ao topo do último vale antes do terceiro PC Virtual. Foi nessa hora que decidimos por uma estratégia: não descer o vale, e contornar as montanhas pela altura da curva de nível em que nos encontrávamos, para evitar maior desgaste. Foi um grande erro nosso, pois a progressão, além de mais lenta era muito perigosa: terreno desfavorável com pedras soltas e ravinas que muitas vezes nos obrigavam a uma escalaminhada (caminhada com escalada). Após 3h naquele terreno, chegamos a uma passagem muito perigosa e praticamente intransponível que colocou-nos em xeque:  continuar numa situação de alto risco ou voltar todo aquele caminho perigoso e lento para tentar encontrar a trilha oficial (agora já completamente sem comida, exaustos e abalados com a situação). Tentamos uma alternativa: rasga-mato para descer o vale e procurar a trilha, mas o mato era realmente denso e intransponível, e as ravinas assustadoras. Acho que esse foi o nosso pior momento, chegamos a um grande embate na equipe: cada um queria ir para um lado.


Sentindo o real perigo da situação, resolvi abrir o rádio, informar a organização de nossa situação e pedir ajuda. Eles nos mandaram subir ao topo da cordilheira, aproximadamente uns 200m de desnível de onde estávamos, e descer pelo vale que estava detrás da montanha, uma encosta suave que dava exatamente na bifurcação da trilha que deveríamos achar. (afinal não estávamos tão errados assim, mas vai saber…) Uma equipe de resgate enviada pela organização encontrou-nos em exatos 30 minutos desde que eu abri o rádio (confesso que ficamos todos impressionados com isso, parabéns para a organização). Os resgatistas disseram-nos que haviam auxiliado muitas outras equipes (inclusive com comida e também a achar o PC Virtual, coisa que nunca havíamos visto em corridas de aventura no Brasil) e que isso não implicaria na desclassificação de ninguém. Sabendo da nossa situação de fome, levaram-nos até um abrigo, fizeram comida quente e depois prosseguimos em direção ao terceiro PC Virtual e depois ao PC3.

Chegamos ao PC3 (mesmo lugar onde havíamos deixado os caiaques e antes era o PC2) umas 2h da madrugada de 5a feira. O próximo trecho era o retorno de 25km de remo passando exatamente pelo mesmo caminho que tínhamos feito dois dias antes. Outra vez tivemos um embate na equipe: o clima frio e o lago com ondas me desmotivaram a continuar naquele momento, pensei em esperar amanhecer para continuar.


Alguns estavam machucados (tendinite e bolhas de água e pus nos pés). Todos estávamos com fome (apesar da comida preparada pelos resgatistas umas 5h antes). Três equipes já haviam desistido e mais uma equipe acabara de acampar para esperar amanhecer. Eu sabia que, se continuássemos, faríamos o trecho de caiaque e talvez mais um pedaço ou todo o trecho de bike, mas que não conseguiríamos ir até o fim da competição em virtude do estado dos pés de meus companheiros. Nessa hora a Clara, que era a mais motivada e só faltava gritar com todos nós pra gente entrar logo nos caiaques e começar a remar ainda de noite, falou em alto e bom tom: “Ta bom, então vamos desistir – estamos fora”.

Nos entreolhamos e desistimos da corrida naquela hora mesmo, foi o fim da prova para nós. A organização não demorou para providenciar carona até o acampamento central. Acordamos na manhã de 5a feira, todos, com a terrível pergunta que até agora não sei responder: Por que fizemos isso? Por que não dormimos junto aos caiaques e continuamos até onde podíamos? Desistimos só porque sabíamos que não havia como completar a prova toda?


Enfim, os dias seguintes até a primeira equipe completar a prova foram terríveis para nós. Nem o fato de menos da metade das equipes terem completado a prova nos consolou, o resultado da Tierra Viva 2011 foi: 29 equipes inscritas, das quais somente 14 chegaram ao final. Destas, 07 equipes completaram o trajeto na íntegra, enquanto 03 equipes completaram o trajeto com um corte no último trecho de caiaque e 04 equipes com corte no último trecho de trekking e no último trecho de caiaque. As demais 15 equipes desistiram da prova no decorrer do trajeto.

Esperamos ansiosamente o Tierra Viva 2012!

 

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