Na última sexta-feira fizemos um pedal que a muito tempo gostaria de fazer: descer a Serra da Graciosa de noite. E quando digo muito tempo, é muito tempo mesmo! A mais de 15 anos queria fazer este passeio, desde que desci a Graciosa a primeira vez de bicicleta, em 1993.
Desta vez não perdemos tempo. O Marco havia nos convidado para conhecer a chácara dele que fica no Vale do Rio Sagrado, uma região de mata atlântica perto de Morretes. Tentamos várias vezes mas não dava certo. A ideia surgiu, conciliamos as agendas e decidimos que iríamos fazer este passeio. Depois de ter a maravilhosa ideia de ir de bicicleta e acertar quem iria, fiz a sugestão de irmos à noite. O pessoal gostou e estava fechado o passeio!
O trajeto que fizemos tem 83 quilômetros, partindo da casa do Antonello, em Pinhais, até chegar à chácara do Marco no Rio Sagrado. A rota foi Pinhais, Piraquara, Estrada Velha da Graciosa, Estrada da Graciosa, Morretes, BR-277 e por fim o Rio Sagrado.
Em dias de programação esportiva eu fico pillhado. Não consigo parar e tento fazer todas as coisas ao mesmo tempo. Foi assim que aconteceu na sexta. Cheguei em casa, depois de passar no supermercado e comprar as comidas para levar para o passeio, tentei começar a arrumar as coisas mas não conseguia. Resolvi para e tomar um banho para relaxar.
Depois do banho já estava mais tranquilo e organizei todos as coisas: calça e camiseta de manga longa de suplex, camiseta de ciclismo, anorak, roupas limpas para quando chegasse, lanterna da bike, pilhas extras, ciclocomputador, comidas diversas, maltodextrina e camelback. Ufa, tudo pronto bem na hora em que o Marco chegou para me pegar!
Saímos da minha casa, pegamos o Marcelinho, depois o Rodrigo e rumamos até a casa do Antonello, com quatro bikes e quatro marmanjos dentro do Cangoo do Marco, ótimo carro para levar tudo!
A ideia era iniciar o pedal as 20:00h, mas chegamos na casa do Antonello pelas 21:00h. Depois de arrumar as coisas e distribuir a tonelada de gels repositores que o Marco havia comprado, nos reunimos para fazer uma oração. Aproveitei e tirei a foto inicial que está ali em cima: a mandala dos ciclistas. 🙂
Já prontos e paramentados para enfrentar o frio que fazia (13 graus), saímos as 22:10h da noite, prontos para passar a madrugada pedalando.
Eu prefiro passar um pouco de frio do que calor, então deixei o anorak dentro da mochila e parti assim mesmo. Os primeiros quilômetros foram bem agradáveis, mas depois que entramos no Contorno de Piraquara o vento frio bateu de frente e não deu para segurar. O Marcelinho e eu, que estávamos sem anorak, os colocamos rapidinho.
Pedalamos pelo Contorno por cerca de 12 quilômetros até achar a entrada da Estrada Velha da Graciosa. Ela foi a primeira rota trafegável (depois do trem) entre Curitiba e o litoral. Ela ainda é quase toda de terra, com vários pontos com casas e iluminação. Fora isso é mato e floresta dos dois lados e um breu total, ainda mais de noite! No início dela parei e pedi informação em uma casa, para garantir que estávamos no local correto. Um rapaz de uns vinte anos me atendeu muito bem e confirmou o caminho, ficando um pouco surpreso por ver cinco caras de bicicleta, às onze da noite, pedalando por uma estrada deserta.
Apesar de frio, estava ótimo para pedalar. O tempo seco ajudou e o céu estava estrelado. Deu até para dar uma pequena aula de astronomia para o pessoal. Vimos Alfa Centauro e expliquei que ela é a estrela mais próxima da Terra depois do Sol, com 4,4 anos luz de distância. Também mostrei a constelação do escorpião e o Cruzeiro do Sul, explicando que deve-se medir 4x e meia a sua extensão e daí descer reto para se achar o Sul Terrestre.
Eu disse que o tempo estava seco mas isso não quer dizer muita coisa. Pegamos um sereno enorme na estrada velha. Quando parávamos o capacete ficava ensopado. Durante o pedal eu via as gotículas de vapor d’água refletidas no farol da bike.
E a iluminação foi muito importante mesmo. Também notamos que as lanternas de led não foram muito legais. A luz delas é fria e muito tênue. Apesar de ter um bom facho, cobrindo uma grande área, não iluminam tanto assim. Das cinco bikes três estavam com lanternas de led e duas com lâmpadas comuns. A minha era uma halógena e deu um show, parecendo um canhão daqueles de shows de rock 🙂
Outra coisa que o pedal noturno ajudou foi nas subidas. Como não dava para ver onde elas acabavam, o psicológico funcionou muito bem, deixando a gente se preocupar somente com aqueles metros à nossa frente. Quando víamos pedalávamos por muito tempo, mas sem se cansar.
O companheirismo é fator primordial neste tipo de aventura. Todos estavam curtindo o passeio e a alegria imperava. Brincadeiras e conversas legais deram o tom em todo o percurso fazendo o tempo passar muito rápido.
No meio da estrada velha o Marco e o Marcelinho notaram que seus pneus haviam esvaziado. Paramos e eles encheram os dois. Andamos mais um pouco e aconteceu de novo: pneus vazios. Não teve jeito, paramos e eles trocaram as câmeras para não ter problemas mais para a frente.
Saímos da estrada velha e deixamos para trás o sereno, entrando na estrada inicial de asfalto da Graciosa à uma da manhã.
A lua minguante brilhava forte no céu, permitindo pedalar em vários trechos sem precisar das lanternas. O Cruzeiro do Sul e Alfa Centauro iam lentamente descrevendo os seus caminhos pelo céu, a medida que as horas passavam. Pareciam um relógio.
Chegamos até o mirante da Graciosa e paramos novamente. O pneu do Marco furou de novo, provavelmente por ter deixado a roda mascar a câmara. Aproveitamos e comemos mais um pouco, porque o gasto de energia era alto.
Falando em energia, a alimentação é essencial neste tipo de pedal onde a quilometragem é alta. O meu monitor cardíaco marcou 3.800 calorias gastas, o que equivale a um dia e meio de alimentação normal! Deste jeito não dá para deixar de comer. Você tem que comer e beber sempre! Vale a máxima que já disse no artigo da corrida de aventura em Tijucas do Sul: “Coma sem ter fome e beba sem ter sede”. Só que aqui tínhamos fome e sede de verdade. Era só eu começar a pedalar que a fome batia. 🙂
Cheguei até a cogitar falar para o pessoal para irmos de dia, para aproveitar melhor a luz para tirar fotos legais do passeio. Ainda bem que não falei, pois as fotos ficaram fantásticas. A noite proporcionou imagens muito legais, que não seriam possíveis se captar de dia.
Depois do mirante e dos pneus consertados, começamos a descida da Graciosa, pelos seus paralelepípedos seculares. Minha preocupação era deles estarem húmidos e daí teríamos que descer com muito cuidado. Felizmente o piso estava seco e deu para largar as bikes acionando o freio só para não se enfiar no meio do mato. 🙂
A visão dos pequenos faróis, descendo a estrada e fazendo as curvas sinuosas foi muito especial. Pareciam insetos voando por cima do piso, seguindo morro abaixo com ímpeto e vontade; um verdadeiro balé ciclístico.
Os doze quilômetros da Graciosa ficaram para trás e voltamos para o asfalto liso e plano, rumo à Morretes. Nesta hora aproveitamos e treinamos vácuo, alternando o líder a cada minuto. Estávamos correndo num bom ritmo. O sono não havia se apresentado em nenhum momento, apesar de já ser mais de duas da manhã.
Chegamos na Ponte Metálica de Porto de Cima para descansar mas resolvemos sair rapidinho dali. Um casal estava estacionado ao lado da ponte e não queríamos estragar a noite de ninguém. Paramos perto da Pousada da Dona Siroba, alongamos, comemos e partimos de novo. Eram três da manhã e ainda tínhamos um bom caminho pela frente.
A reta interminável até Morretes passou rápido, pois a conversa era animada. Passamos pela cidade sonolenta e continuamos o pedal acompanhados pela lua, que iluminava as árvores e projetavam uma sombra de uma pureza só.
Nesta hora o cansaço começou a bater e o incentivo era o que movia o grupo. Cada um ajudava o outro para os quilômetros finais e o tão famoso banho quente prometido pelo Marco. Pelas quatro e quinze da manhã entramos na BR-277. Logo em seguida estávamos no Vale do Rio Sagrado.
A mata atlântica é algo de muito especial no Brasil. Agora, se você tem uma chácara nesta região, é um abençoado. Apesar da noite e de eu nunca ter ido àquele lugar, dava para ver como ele era especial. Rios de pedras, cachoeiras, estradas simples de terra e um cheiro de mato ainda intocado. Pedalamos os quatro quilômetros iniciais e chegamos à famosa subida final de 1km. O Marco, Antonello e Rodrigo, que já conheciam o trajeto, intercalaram trechos pedalando com outros andando. Eu e o Marcelinho, querendo provar alguma coisa para nossos corpos já cansados, resolvemos encarar toda a subida pedalando. Foi suado mas conseguimos.
Chegamos à casa do Marco as cinco da manhã. As roupas encharcadas de suor, o corpo cansado e as pernas exauridas. Mas a energia que acumulamos durante todo o pedal foi incrível, e estávamos muito felizes.
O banho quente era real mesmo, ajudando a restaurar as energias. Comemoramos em alto estilo, com um bom vinho. O Rodrigo não aguentou e capotou no sofá antes de brindarmos.
Conversamos um pouco e cada um foi relaxando. Fomos dormir cansados, mas cheios de energia de uma aventura fantástica, varando a madrugada.
Um sonho lúcido!
8 comentários ↓
Rodrigo, continuo com os mesmos pensamentos: isto que fizemos é para poucos!!!!! O sacrificio não é uma consequência e sim uma conquista!!! Valeu mesmo.
Capitão, nunca é tarde para ir mais além, nunca é tarde para tentar o desconhecido. Valeu pelo pedal!!! Próxima Trilha da Ambulância!!!!
Rodrigo, que passeio sensacional… o post ficou ótimo… deu até vontade de ter feito este belo pedal com vcs…
O sacrificio valeu a pena… e como disse o Marco, acima, isto é coisa para poucos….
Abçs
Wlad
O cara foi rápido mesmo. Mandei um e-mail perguntando do post e já tava on-line. Parabéns pela aventura. Não vi fotos da localidade de Rio Sagrado em si, vocês se adentraram ali? Já aproveitando o ensejo: Essa triha da ambulância comentada acima é a ligação entre Rio Sagrado e a Estrada da Limeira?
Abraços!
eduardo – o² expedicao
Oi Eduardo!
As fotos da chácara do Marco vou colocar em um post no meu blog pessoal (stulzer.net), mas acho que só amanhã, pois hoje tem festa do meu aniversário 🙂
A trilha da Ambulância que o Marcelo falou sai dali de perto e chega em Garuva. Não sei se é a mesma que você falou…
Oi Wladimir, obrigado pelo comentário!
Sim, foi ótimo mesmo! Quem sabe um dia, se você passar aqui por Curitiba, possamos fazer algum pedal ou corrida juntos?
Abraços!
Rodrigo
Aproveitando: Feliz Aniversário! Muita saúde e muita aventura, Rodrigo.
Um grande abraço,
Renato
Rodrigo,
Uma ideia que levaremos de recordaçao por toda vida, não tem nada parecido, a equipe e o lugar , é dificil transmitir a trilha que fizemos, mas seus relatos deixam um curiosidade no ar, uma vontade de saber mais, mas só fazendo para saber!
Um grande abraço,
Cara, que legal isso. Muita vontade de fazer passeios parecidos.
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