O que o Voo Livre me Ensinou

Seguindo a série de artigos “O que … me Ensinou“, agora é a hora do voo livre, esporte que pratiquei de 1996 a 2001.

Voei de parapente por cinco anos seguidos, praticamente sem fazer nenhum outro esporte no mesmo período. Eu havia saído do paraquedismo e passei por um curto período de volta ao montanhismo. O parapente surgiu como uma oportunidade de fazer um esporte aéreo, como o paraquedismo, mas que não fosse tão caro. No início não pensei que iria me envolver tanto assim, mas estava enganado.

Conheci vários amigos, que mantenho até hoje, reencontrei a Bel, que hoje é a minha linda e querida esposa, fiz um livro e viajei pelo Brasil. Tenho muito a agradecer ao que o voo livre me proporcionou. Mas o que ele me ensinou, afinal?

Respeito

O voo livre de parapente me ensinou vários tipos de respeito. Esportes aéreos são, por definição, mais perigosos que esportes terrestres pelo simples fato de que você não está mais no seu meio. Qualquer erro pode gerar sérias consequências e a melhor lição que aprendi é o respeito, nos seus mais diversos graus.

Respeito à Natureza

O respeito à natureza é fundamental no voo livre. É dela que se depende inteiramente, e sem ela não existe o voo. O dia está bonito, com pouco vento e bonitas nuvens no céu? Ok, vá voar e se divirta! Mas se o dia está feio, fechado, e o vento muda constantemente, vá fazer outra coisa. Não adianta forçar uma situação que não está propícia. Quando a natureza lhe der dias para o voo, aproveite; quando ela disser para você que aquele não é um dia para voar, não discuta. Resigne-se e aproveite o seu tempo em outra coisa. Você sairá ganhando, tenha certeza disso.

Lidar com a Frustração

Como o voo depende tanto da natureza é comum ficar frustrado. Eu passava a semana inteira pensando em voar no sábado e domingo, e uma chuva descomunal imperava no fim de semana. Fazer o que? Lembro de um inverno em 1997 que choveu os quatro finais de semana de julho. Imagine a minha frustração! Isso é uma coisa que tive que trabalhar internamente, senão a minha vida no voo livre não duraria muito tempo.

Gana Incomensurável

Se por um lado é preciso lidar com a frustração de não conseguir voar quando a condição meteorológica não está boa, saia de perto de um voador quando o sol aparece. A gana por voar é tão grande que ele move montanhas para ficar algumas horas no céu. Desta maneira aprendi a não achar obstáculos para ir a qualquer lugar quando queria voar. E é por isso que pilotos de voo livre são otimistas por natureza. Sempre tentam ver as coisas pelo melhor ângulo, mesmo que esteja caindo uma chuvinha em cima da rampa de decolagem. No fundo rezamos para que o tempo melhore logo em seguida.

Respeito ao Meu Grau de Conhecimento

Em qualquer esporte é necessário respeitar o seu grau de conhecimento ao partir para novas aventuras. Mas no voo livre isso é imperativo. Quebre esta regra e o caixão está mais perto de você. Não aconteceu desta vez? Não se preocupe, um preguinho a mais foi batido, e a fatalidade está ali do lado.

Respeitando o que eu sabia aprendi a não queimar etapas, crescendo aos poucos e de forma constante. Como recompensa só tive alegrias nos cinco anos em que voei. Não tive nenhum acidente, fora uns pequenos sustos, que só reforçaram a teoria do respeito ao conhecimento.

Gerenciamento de Equipes e Conflitos

O voo livre me ensinou também como gerenciar equipes e conflitos. Em 1997, logo no início da minha vida no esporte, criei uma lista de discussão na Internet. Naquela época não existiam os yahoo grupos da vida e tudo tinha que ser feito na mão. A lista começou pequena, mas logo tinha mais de 300 participantes. Ela cresceu bastante e acabei gerenciando mais de 1.000 pilotos que interagiam nela todos os dias. Foi uma época interessante, onde fiz o papel do Ditador Benevolente frente a centenas de pessoas.

Hoje em dia a lista ainda existe, mas não a gerencio mais. Vários colegas daquela época ainda sentem saudades de quando eu tomava conta dela. 🙂

Perseverança e Foco

Também aprendi a ter perseverança e foco. Naturamente gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo, e ter foco, concluindo trabalhos de longo prazo, não é algo tão fácil assim. E foi fazendo o livro Parapente Brasil, que refinei um pouco mais esta característica.

Desde o início da lista eu vi que as pessoas escreviam artigos de ótima qualidade, e isso me deu a ideia de, um dia, compilar tudo num livro. Demorou cinco anos, mas, em 2002, no dia do aniversário da lista, lancei o livro Parapente Brasil – Histórias e Aventuras do Vôo Livre. Tive um trabalho enorme e fiz tudo sozinho: escolha dos artigos, recolhimento das autorizações, editoração do miolo e ideia da capa. A impressão também foi independente e vendi toda a tiragem sozinho, direto pela Internet.

A Insignificância do Homem

No voo livre vi alguns amigos se acidentarem feio, tendo consequências físicas sérias até hoje. Também vi um piloto morrer, a poucas centenas de metros na minha frente. Isso mexeu comigo e me mostrou da forma mais direta possível a minha insignificância perante as forças da natureza. Pode-se brincar e se divertir muito nos esportes, mas a chance de se queimar é grande. O mínimo que se pode fazer é respeitar o máximo possível o esporte e seguir em frente.

A Estratégia é Melhor do que a Força Bruta

O voo livre é mais um esporte mental do que físico. O estudo da meteorologia, a leitura das condições climáticas e as decisões no meio do voo eram muito mais importantes do que o meu condicionamento físico. Mas não se engane, no final do dia eu estava acabado e cansado, mas com a mente clara e limpa.

Conclusão

Não acho que o voo livre seja o esporte mais completo (se é que isso existe), mas ele reúne várias características para tal. Ele não tem o impacto do paraquedismo, mas com certeza deixa na mente aquele frescor de uma manhã de sábado, onde tudo é liberdade e não existem preocupações.

Tenho ótimas lembranças daquela época.

4 comentários ↓

#1 valdomiro on 12.02.10 at 11:19 pm

Muito bacana sua reflexão sobre o voo livre…
Uma curiosidade… porquê lá na lista parapentebrasil
vc é conhecido como Rodrigo “São Pedro” Stulzer?
abraço

#2 Rodrigo Stulzer on 12.03.10 at 9:32 am

Oi Valdomiro!

Como eu mandava na lista e o São Pedro mandava no Tempo, acabaram me
chamando assim 🙂

Abraços!

#3 Junie on 12.03.10 at 4:20 pm

Oi Rodrigo;
Muito bacana o seu texto. Vejo o Voo Livre de forma muito coincidente com as suas opiniões
Vlw
Junie

#4 Joe Ferreira on 01.05.11 at 6:35 pm

Como não poderia ser diferente, uma maravilha seus relatos, em especial ao de parapente.
Abraços
Joe

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