Morte em Nova Petrópolis

Este artigo abaixo eu escrevi em 2002, quando publiquei o livro Parapente Brasil. Para cada capítulo do livro eu fazia uma introdução, e este era sobre acidentes. Falei o que achava sobre o assunto e descrevi uma morte que presenciei, quando tinha menos de um ano de vôo, em 1997. Ler o texto é como voltar naquele dia. Apesar de ser sobre voo-livre, o que falei vale para qualquer esporte:

Acidentes fazem parte do vôo livre. Não podemos evitá-los, mas sim fazer de tudo para amenizar os riscos envolvidos em nosso esporte. Não deve- mos dar chance ao azar; não devemos dar chance às bruxas; devemos nos livrar das Águas Malas. Quanto mais respeitarmos nossos limites, o de nosso equipamento e às condições meteorológicas, mais chance teremos e mais alegrias viveremos.

Mas os acidentes acontecem e temos que encará-los de frente e tentar aprender com os erros. Aprender para que se tire uma lição do que aconteceu. Aprender para que ele não ocorra novamente.

Os acidentes são normalmente ocasionados por uma soma de fatores. Raramente um fato isolado provoca um acidente; é nesta hora que temos uma fatalidade. Muitos devem lembrar de como o Charles do Rio Grande do Sul nos deixou. Uma decolagem em Sapiranga, com vento de frente fraco; praticamente um prego. Ele arborizou a poucos metros da rampa e teve o pescoço quebrado pelo impacto de uma árvore com seu capacete. Quem imaginaria que uma simples arborizada poderia causar tamanha perda? Ninguém. Nesta hora não temos o que falar, além de lamentar que não o temos mais por aqui.

Eu já presenciei uma morte no vôo livre. Foi em abril de 1997, em um festival no Ninho das Águas, em Nova Petrópolis. A festa estava maravilhosa. Três dias de ótimos vôos, térmicas para todos os lados e uma linda confraternização entre todos. No domingo, último dia do campeonato, decola uma bateria. Lembro que o Betinho Schmidt ainda voava de Parapente e estava participando nesta ocasião. Um piloto decolou e foi procurar uma térmica à esquerda da rampa. Ele estava uns 100m acima do relevo, próximo à encosta e batalhava por alguma térmica. Todos na rampa acompanhavam os pilotos atentamente e comentavam aonde deveriam estar as melhores ascendentes. Um pouco antes o Betinho tinha tomado uma grande vaca, levando uma fechada que desmontou completamente sua vela.

Em um determinado momento o Parapente do piloto (Ricardo), foi levado para trás, provavelmente por uma térmica muito forte. Não sabemos o que se passou na sua cabeça nesta hora, mas a próxima reação da vela foi ir violentamente para a frente. O Ricardo foi arremessado de encontro à sua vela e caiu do lado direito dela. Na mesma hora a vela se enrolou sobre seu corpo e ele despencou lá de cima. A rampa teve um misto de silêncio, gritos e palavras de desespero. Em segundos o charuto formado pelo piloto e a vela desapareciam no meio da vegetação. O desespero tomava conta de todos.

Alguns pilotos tentavam sobrevoar o local e passar informações através do rádio. Outros saíram em disparada por uma trilha que chegava próximo aonde ele caiu. Após 20 minutos recebemos a notícia. Haviam achado o local e o Ricardo tinha falecido.

Nesta hora tudo parou, a alegria sumiu, o festival acabou. Triste fim para uma festa preparada com tanto carinho pelos pilotos locais. Como foi sentida nossa volta para Curitiba. Quatro pilotos dentro do carro, sol na cara e um vazio enorme.

Como em outras situações semelhantes na vida, não podemos nos prostrar. Temos que encarar o fato de frente e refletir. A vida continua, o mundo continua. Se o homem parasse de buscar seus objetivos depois de tragédias, não teríamos descoberto o fogo, não teríamos cruzado os mares, não teríamos ido à Lua.

O homem é um batalhador por natureza e os desafios são nosso alimento. Sempre haverá algo novo a descobrir, um mundo novo a explorar, uma termal a galgar e um recorde a bater.

Ainda não conhecemos o sentido da vida, mas conhecemos algumas coisas que dão sentido às nossas vidas. O vôo livre é uma delas.

3 comentários ↓

#1 xampa on 08.13.10 at 8:42 am

Cara, não tenho coragem para lidar com esses esportes de risco. Um amigo, paraquedista, me falou sobre a sua experiencia no uso do paraquedas reserva. Assustador.
Agora, é um esporte em que cada vez mais é importante o respeito e o medo. O medo é uma variável importante, precisamos controla-lo e com ele minimizamos o risco de um acidente.
Belo texto.

#2 Osmar on 08.23.10 at 4:46 pm

Infelizmente as mortes no voo só tem aumentado.
A facilidade de aprendizado, a facilidade na compra de um equipamento, a falsa impressão de segurança nos equipamentos, são itens que fazem as estatísticas de acidentes fatais subir vertiginosamente.
Infelizmente em 10 anos de voo, já vi mais de uma morte no voo. É uma sensação de impotência sem tamanho.

#3 O que o Voo Livre me Ensinou — Transpirando.com on 12.01.10 at 7:04 am

[…] voo livre vi alguns amigos se acidentarem feio, tendo consequências físicas sérias até hoje. Também vi um piloto morrer, a poucas centenas de metros na minha frente. Isso mexeu comigo e me mostrou da forma mais direta […]

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